Como fazer com que os estudantes escutem opiniões divergentes das suas?
Entender como integrar a internet e outras tecnologias é um desafio para as escolas, mas a educação vai muito além disso.
Vale conferir o artigo especial, publicado pela BBC Brasil, por Andreas Schleicher.
Quais são as novas tendências em matéria de educação e como vão afetar os sistemas educacionais de todo o mundo?
Andreas Schleicher, diretor de educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e coordenador do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), explica quais são as grandes questões sociais, econômicas, políticas e tecnológicas que se colocam para escolas de todo o mundo.
1. Lacuna entre ricos e pobres versus mobilidade social
A lacuna entre ricos e pobres está aumentando, e estão se ampliando os grupos com privilégios extremos, assim como aqueles que sofrem de enormes privações.
Essa desigualdade se reflete nas escolas. Nos países da OCDE (que tem 36 membros), os 10% mais ricos têm uma renda 10 vezes maior do que os 10% mais pobres. Esta divisão é um dos maiores desafios dos sistemas educacionais.
Como equilibrar essa desigualdade econômica com a missão da escola de oferecer um acesso mais justo a oportunidades?
2. Aumento do consumo na Ásia
A riqueza pode não estar distribuída equitativamente, mas está aumentando, especialmente na Ásia. A classe média global está crescendo, e 90% de seus novos integrantes estarão na China e na Índia.
Como a economia global mudará quando as populações mais educadas do mundo provenham da Ásia e não da América do Norte e da Europa?
O que vão querer estes novos consumidores ricos de suas escolas? As universidades estarão preparadas para se expandir e responder a esta maior demanda?
3. Crescimento da imigração
Há muito mais gente imigrando, e a Ásia assumiu o lugar da Europa como o destino mais popular dos imigrantes. Esta mobilidade traz junto a diversidade cultural, a energia e a ambição dos recém-chegados, mas também gera muitos desafios.
Como poderão as escolas apoiar os estudantes que chegam de diferentes partes do mundo? Quais questões isso levanta em todo da identidade e a integração? Terão as escolas um papel mais importante no ensino de valores compartilhados?
4. Financiamento
A pressão para encontrar financiamento será uma grande questão para os sistemas educacionais. As escolas deverão tomar decisões a longo prazo sobre como gastar seu orçamento, sobretudo com o aumento das exigências e expectativas.
Quem deverá pagar para que mais estudantes cursem a universidade? E o que acontecerá caso tenham que fazer cortes?
Os indivíduos também deverão entender os riscos de repentinas crises econômicas e recessões, principalmente em momentos em que crescem as dívidas pessoais.
5. Abertura vs. isolamento
A tecnologia digital pode conectar mais gente do que nunca, construindo vínculos entre países e culturas. Ou esta é a teoria, ao menos. A tecnologia também pode fazer com que o mundo seja mais volátil e incerto.
Poder escutar uma variedade de vozes fomenta a democracia, mas também concentra um poder sem precedentes na mão de um pequeno número de pessoas.
Quando as notícias e informações são personalizadas para nós por algoritmos, isso faz com que a gente só tenha acesso a opiniões de pessoas que pensam de forma parecida e se afaste de quem pensa o oposto.
Como as escolas e universidades farão para promover uma maior abertura a ideias diferentes?
6. Humanos de primeira classe ou robôs de segunda?
Já foram feitos vários alertas sobre a ameaça da inteligência artificial para os empregos de hoje em dia. Mas os sistemas educacionais precisam equipar os jovens com ferramentas para que possam se adaptar e modernizar em um mercado de trabalho em mutação.
Surgirão muitas perguntas em torno de como desenvolver habilidades humanas que não possam ser replicadas por robôs.
Como garantir que características humanas como imaginação, sentido de responsabilidade ou inteligência emocional possam ser aproveitadas junto com o processamento da inteligência artificial?
7. Lições ao longo da vida
A expectativa de vida está aumentando, e um mercado de trabalho menos previsível faz com que cada vez mais adultos tenham que voltar a se capacitar profissionalmente.
Será necessário dar mais atenção ao aprendizado a longo prazo, para que os adultos estejam preparados para mudar de trabalho e se aposentar por mais tempo.
Desde 1970, a média de anos de aposentadoria em países da OCDE aumentou de 13 para 20 anos.
Em décadas recentes, houve grandes mudanças no âmbito profissional, e praticamente desapareceu o “emprego pra toda a vida”.
Mas, na realidade, os adultos que mais precisam de educação e treinamento, ou seja, aqueles menos qualificados, são os que menos têm chances de ter acesso a isso.
É um problema frequentemente ignorado, mas será cada vez mais importante que as habilidades de uma pessoa coincidam com os requisitos dos empregos disponíveis.
8. Conectados ou desconectados?
A internet é uma parte integral da vida dos jovens. Em alguns países, a quantidade de tempo que os jovens de 15 anos passam conectados duplicou em três anos. Muitos adolescentes dizem sentir-se mal se ficam desconectados.
Mas a educação ainda tem que aceitar a presença permanente da internet. Qual é o papel que ela deve ter na educação? Como reduzir seus efeitos negativos, como o cyberbullying e a perda de privacidade?
9. Ensino de valores
Todo mundo espera que a escola ensine valores. Mas, em um mundo cada vez mais polarizado, quem decide quais devem ser ensinados?
O mundo digital tornou possível que mais gente expresse suas opiniões, mas isso não garante que possam acessar informações confiáveis e balanceadas ou que estejam dispostos a escutar outras pessoas.
Como uma pessoa pode diferenciar fatos e ficção? Como a escola podem diferenciar opiniões e informações objetivas? As escolas devem ser politicamente neutras ou promover ideias ou formas de pensamento específicas? E qual classe de virtudes cívicas são exigidas pelas democracias modernas?
10. Temas irrelevantes para muitos
A ONU diz que há cerca de 260 milhões de crianças que perdem a chance frequentar a escola. Para elas, estes temas serão irrelevantes, porque nem sequer têm acesso a uma escola ou estão escolas com um nível educacional tão baixo que saem dela sem ter os conhecimentos mais básicos de escrita e matemática.
Por Andreas Schleicher
Diretor de educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
Publicado originalmente no site da BBC Brasil, em 03 de Março de 2019